Disciplina, Limite Na Medida Certa,

de Içami Tiba

Como se criam folgados e responsáveis

Duas horas da tarde de um belo domingo ensolarado. Trancado na cozinha, o jovem Mário, de dezessete anos, gritava que estava com uma faca na mão e que ia se matar.
O pai, a mãe e a irmã, do lado de fora da cozinha, tentavam acalmá-lo, fazendo apelos desesperados e inúmeras promessas. O filho respondia que não confiava mais na família: independentemente do que todos dissessem, ele ia se matar. Os pais, atordoados e sem alternativas, chamaram a polícia.
Assim que chegaram à grande e confortável residência da família, os policiais se prontificaram a conversar com o rapaz. Mário permitiu somente a entrada dos guardas na cozinha: os pais e a irmã tiveram de esperar do lado de fora. Depois de alguns poucos minutos de negociação que pareceram uma eternidade para a família -, a porta da cozinha se abriu e os policiais saíram trazendo Mário. Os pais estavam ansiosos para saber o que acontecera lá dentro, pois não puderam ouvir nem uma palavra. O rapaz exibia uma expressão de indiferença, sem o menor sinal de sofrimento.

Os policiais assumiram a tarefa de representá-lo perante sua família. Disseram que os país deveriam manter o equilíbrio. O filho estava nervoso e não admitia que ficassem tão bravos só por causa de uma sobremesa. E arremataram: "Mas como pode o senhor, culto e bem posicionado, brigar por causa de uma mísera sobremesa?". O pai, aturdoado com a censura dos guardas, perdeu a fala.
Ao final daquele desagradável incidente, os pais estavam envergonhados e Mário parecia orgulhoso. Na saída, para completar a humilhação, os policiais reforçaram:

"Se seus pais aprontarem novamente, pode nos chamar que voltaremos mais enérgicos".


A reviravolta
O que será que houve naquela tarde de sol para culminar numa situação assim tão constrangedora? Retomemos a história, passo a passo.

Como era domingo, a cozinheira estava de folga; a empregada e a arrumadeira, ausentes; e o motorista também havia sido dispensado. Não havia, portanto, nem um empregado na casa. Para garantir o almoço do domingo na falta deles, a família dividia as tarefas. Mário, o folgado da casa, nunca cumpria sua parte.
Naquele dia, todos estavam desempenhando bem suas funções. Mário devia servir a sobremesa, isto é, pegar o doce na chegou sua vez, ele afirmou: "Eu não vou". Em inúmeras ocasiões anteriores, o rapaz havia se recusado a ajudar e nunca houve problema. Sempre havia alguém que se dispunha a realizar a tarefa no lugar dele: a mãe, para evitar escândalos; o pai, que preferia ignorar a situação. Só a irmã se recusava, pois não aceitava tal situação.
A família ficou atônita. Estavam até então num clima ótimo, cada um colaborando para o sucesso do almoço. Agora o rapaz punha tudo a perder. Mas dessa vez ninguém vacilou. A tarefa era dele. Mário tinha que buscar o doce - uma compota. Ele resistiu, dizendo que não pegaria a sobremesa "nem morto". Seus pais, que a essa altura já estavam com o almoço estragado, julgaram estranha essa observação. Então, pressionado, Mário, sem querer, acabou falando que havia comido sozinho toda a sobremesa. Como a casa era muito farta, os pais retrucaram: "Mas nós compramos uma dúzia de latas de compota". Qual não foi a surpresa deles quando o filho confessou ter comido tudo!

Então o pai propôs uma solução: "Como foi você quem acabou com o doce, para terminar o almoço você vai até a padaria da esquina comprar uma sobremesa". "Não vou 11, respondeu Mário. “Vocês não mandam em mim e não vão me tratar como empregado." Sempre abusado, o rapaz fez um discurso colocando-se no papel de vítima: "Não posso comer nem uma compota?". Chamou o pai de pão-duro, a mãe de desorganizada e a irmã de puxa-saco. E intempestivamente, entre gritos e xingamentos, levantou-se da mesa, trancou-se na cozinha e, de faca em punho, ameaçava se matar.

O príncipe da casa
Mário foi construído a quatro mãos para ser um folgado - depois, além da família, contribuíram também os empregados. O pai, órfão desde pequeno, realizava suas mínimas vontades. Não deixava eu nada lhe faltasse.
A maior alegria do pai era ver o filho contente. Seu maior sofrimento, ter de dizer não ao filho. Ele era o escravo do sim.
Mário não conheceu limites e tudo lhe foi favorecido para que suas votnades (folgas) fossem atendidas, mesmo que custassem sacrifícios (sufocos) dos outros.

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